domingo, 19 de agosto de 2012

Retrato seu

Hoje eu quis tirar uma fotografia sua. Quis fotografar seu cabelo bagunçado pelo vento, seu olhar na minha direção, o contraste da sua pele junto da minha.
Quis gravar num filme ou na memória do celular - além de na minha - seu sorriso provocando o meu e sua barba ameaçando crescer.
Por tudo o que é tão bonito em você, pensei em fazer um retrato seu. Pensei em capturar seus movimentos sem que você percebesse, sua feição sob a luz que atravessava os vitrais. Pensei em fotografar as palmas das suas mãos, suas orelhas, a curva do seu pescoço, sua mandíbula, seus dedos indicadores. Quis que toda essa beleza que encontro onde ninguém costuma procurar fosse registrada.
Cada pedacinho seu provoca tanto sentimento nos meus que parece quase errado não retratar todos os nossos momentos juntos. E eu, que não sei fotografar, tento retratar você da melhor forma que posso: te revelando nas minhas palavras.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Falta

Procurei você em músicas que nunca pôde ouvir. Em filmes que o tempo não te deixou ver. Em livros que não sei se você gostaria.
Procurei um pouco de nós em lugares em que nunca estive contigo e em lembranças vagas que são tudo o que me resta de você.
E me dói. Sua ausência permanente me machuca depois de todos esses anos.
Às vezes eu ainda durmo com sua foto escondida no travesseiro, ainda acrescento itens na lista que fiz de tudo que precisava te contar, ainda ensaio diálogos para nós.
E me dói. Saber que tudo o que tenho de você sempre vai ser muito pouco me magoa.
Eu quis tanto de você, e quis tanto acreditar que estaria comigo mais uma vez, que me esqueci de aceitar o seu adeus. E agora já é  tarde para dizer o que deixei calar.
Mas a dor já não se cala. Verdade seja dita, só faz aumentar quando te encontro por acaso em lugares onde nunca esteve. E te encontro. Onde procuro, onde não procuro, onde não quero te ver.
Sua existência me assombra como um fantasma. Então me assombre. Mas não me deixe esquecer. Porque toda essa dor é saudade. E saudade é só o que resta do amor que sentiu por mim.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Excêntrica

Diziam que era excêntrica.
Parecia criança em seus rompantes de alegria e tristeza tão profundos quanto volúveis. Ela se permitia sentir com uma sinceridade única. Tinha mais medos que a média, mas tinha uma felicidade desmedida pelo simples fato de estar viva.
Acordava de manhã cedo para sentir os primeiros raios de sol no rosto. Certa vez alguém lhe dissera que esses raios eram a fonte da vida e da magia das fadas. Ela não sabia se acreditava nas fadas, mas acreditava nas pessoas e não via um motivo para não aproveitar o sol nascendo.
Aquela menina nunca fora motivada pelo "por que?". Sua vida era guiada pelo "por que não?". Fora levada por essa pergunta a cometer seus erros mais doces e encontrara seus grandes acertos agindo simplesmente porque não tinha motivos para não agir.
Já ouvira de uma cigana que tinha alma de um deles. Parte sua sonhara que era verdade, que um dia encontraria seu bando, que levaria uma vida nômade. Seu sonho, como seus tantos outros, a fez feliz por um tempo. Até que seu interesse se voltou a qualquer outro pedaço de vida brilhante.
Sua vida (ela recusava a chama-la de existência, até nos piores momentos, era uma vida muito bem vivida) era lotada desses pedaços brilhantes. O que a agradava parecia ilumina-la. E ela, que já nascera com luz própria, andava resplandecente por entre seus semelhantes: seres exóticos, por vezes encantados, por vezes encantadores, que sabiam viver tão bem quanto ela.
Em outra ocasião, ouvira - e ela gosta de pensar que de uma feiticeira - que tinha alma de fogo, mas a menina era capaz de jurar que era água. Tão forte quanto o fogo, porém mais suave.
Seu namorado dissera que ela era meiga. Sua melhor amiga, que era forte. Um antigo amigo, misteriosa. Um professor, curiosa. Outro, interessada e talentosa. Ela simplesmente abraçava as tantas versões dela e sorria feliz deitada na grama sem nenhuma grande preocupação (porque as preocupações ela largava embaixo da cama).
Seu dia-a-dia não lhe parecia especialmente interessante. Seus hábitos não eram exatamente atraentes. Mas sua maneira de andar pela cozinha dançando, seus pequenos saltos ritmados pelas escadas, seus passos trôpegos de quem anda com a cabeça na lua, seus detalhes que passavam despercebidos para quem não prestava atenção a tornavam fascinante sem que ela soubesse.
Suas madrugadas eram consideradas - por ela mesma - mágicas. Repletas de sensações, músicas e palavras. Era nas horas de silêncio e solidão que ela respirava fundo e fazia o que ela acreditava ser seu próprio tipo de mágica: criava.
E, de tanto criar, acabou se encontrando num mundo fantástico cheio de beleza e encantamento. Até que um dia ela percebeu que não fora ela que criara aquele mundo. Aquele mundo era a realidade. Uma realidade que só os da espécie dela pareciam ser capazes de enxergar.
Talvez fosse mesmo excêntrica. Sua capacidade de ser feliz a faziam deveras incomum.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Qualquer História

Vem, amor. Esquece esses medos, esquece essa chuva. Deixa tudo que machuca lá fora, a gente tranca a porta.
Vem, amor. Eu vou velar teu sono, vou ser teu porto. Vou contar qualquer história pra te fazer dormir. Posso inventar qualquer história pra te fazer sorrir.
Se quiser, amor, a luz fica acesa. Ou eu apago, tanto faz. Eu tenho o cobertor, traz teu travesseiro. A noite vai cair do outro lado das janelas, mas desse lado não vai ter escuridão. O nosso riso vai servir de luminária.
Se for te fazer feliz, fique pela manhã. Pela tarde. Vai ficando.
Ou vai embora - pode voltar mais tarde, pode esquecer de voltar, vai ficar comigo de toda maneira. Vai ficando, amor, mas vem.