segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Excêntrica

Diziam que era excêntrica.
Parecia criança em seus rompantes de alegria e tristeza tão profundos quanto volúveis. Ela se permitia sentir com uma sinceridade única. Tinha mais medos que a média, mas tinha uma felicidade desmedida pelo simples fato de estar viva.
Acordava de manhã cedo para sentir os primeiros raios de sol no rosto. Certa vez alguém lhe dissera que esses raios eram a fonte da vida e da magia das fadas. Ela não sabia se acreditava nas fadas, mas acreditava nas pessoas e não via um motivo para não aproveitar o sol nascendo.
Aquela menina nunca fora motivada pelo "por que?". Sua vida era guiada pelo "por que não?". Fora levada por essa pergunta a cometer seus erros mais doces e encontrara seus grandes acertos agindo simplesmente porque não tinha motivos para não agir.
Já ouvira de uma cigana que tinha alma de um deles. Parte sua sonhara que era verdade, que um dia encontraria seu bando, que levaria uma vida nômade. Seu sonho, como seus tantos outros, a fez feliz por um tempo. Até que seu interesse se voltou a qualquer outro pedaço de vida brilhante.
Sua vida (ela recusava a chama-la de existência, até nos piores momentos, era uma vida muito bem vivida) era lotada desses pedaços brilhantes. O que a agradava parecia ilumina-la. E ela, que já nascera com luz própria, andava resplandecente por entre seus semelhantes: seres exóticos, por vezes encantados, por vezes encantadores, que sabiam viver tão bem quanto ela.
Em outra ocasião, ouvira - e ela gosta de pensar que de uma feiticeira - que tinha alma de fogo, mas a menina era capaz de jurar que era água. Tão forte quanto o fogo, porém mais suave.
Seu namorado dissera que ela era meiga. Sua melhor amiga, que era forte. Um antigo amigo, misteriosa. Um professor, curiosa. Outro, interessada e talentosa. Ela simplesmente abraçava as tantas versões dela e sorria feliz deitada na grama sem nenhuma grande preocupação (porque as preocupações ela largava embaixo da cama).
Seu dia-a-dia não lhe parecia especialmente interessante. Seus hábitos não eram exatamente atraentes. Mas sua maneira de andar pela cozinha dançando, seus pequenos saltos ritmados pelas escadas, seus passos trôpegos de quem anda com a cabeça na lua, seus detalhes que passavam despercebidos para quem não prestava atenção a tornavam fascinante sem que ela soubesse.
Suas madrugadas eram consideradas - por ela mesma - mágicas. Repletas de sensações, músicas e palavras. Era nas horas de silêncio e solidão que ela respirava fundo e fazia o que ela acreditava ser seu próprio tipo de mágica: criava.
E, de tanto criar, acabou se encontrando num mundo fantástico cheio de beleza e encantamento. Até que um dia ela percebeu que não fora ela que criara aquele mundo. Aquele mundo era a realidade. Uma realidade que só os da espécie dela pareciam ser capazes de enxergar.
Talvez fosse mesmo excêntrica. Sua capacidade de ser feliz a faziam deveras incomum.

2 comentários:

  1. Amei! Muito lindo esse texto. "Aquele mundo era a realidade. Uma realidade que só os da espécie dela pareciam ser capazes de enxergar." A realidade é tão multifacetada, e a sua realidade é tão encantadora. Acho que, em doses diferentes, compartilhamos dessa visão de mundo. Parabéns.

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